terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Desista-me

Cheguei de tardezinha na praia, havia ficado dias e dias enclausurado num escritório, o jornalismo me comia o tempo e a alma. Eu precisava de tempo.
O dia estava cinza, li no jornal que a semana seria cinzenta. Na encosta ventava muito. De longe avistei uma moça, ruiva, cabelos compridos, magra, olhos grandes e quebrados.
A fitei por um tempo, ela se sentou na areia, pegou um livro, acendeu seu galaxy e chorou por tempos. Seria culpa de Gabriel Garcia Márquez? Ou seu cigarro apagara?
Por um instante pensei em sentar-me junto à moça, mas uma súbita dor nas pernas me derrubara. Já não tinha meus dezoitos anos, depois dos cinqüenta as dores são constantes, posso contar nos dedos os dias que passei sem fazer qualquer queixume.
Permaneci sentado, dez minutos, me recuperando, pude enfim me levantar. A moça agora permanecia imóvel como quem desfalecia a cada minuto, ela tinha um olhar fixo no horizonte. Aproximei-me dela, logo perguntei se podia me sentar ali a seu lado. Ela, com sorriso gasto e com uma voz gentil, disse que sim.

- Porque choras?
Com uma lágrima presa nos cílios e uma voz calma respondeu – Já lhe roubaram a vida?
Surpreso com a pergunta disse que ninguém poderia roubar a vida de alguém.
Novamente com um sorriso, ela disse - Roubaram a minha!
Ela suspira, me olha com um olhar aconchegante, agora com uma voz desesperadora. – Passo todas as minhas tardes a esperar no cais pelo navio que nunca retorna. Pelo navio que nunca vai, que nunca vem. Mas, simplesmente quando ele vai, minha vida vai junto e se ele não voltar, como posso voltar a viver?

Como que uma música triste suas palavras bateram que nem um prego na madeira dura, ríspida, a procura de uma brecha para adentrar. Elas penetraram em minha alma, minhas entranhas se contorciam, senti uma forte dor no peito, meu coração disparara com suas palavras.
Só me senti assim uma vez quando minha mãe morreu. Em sua cama, quente, acolhedora que tinha um cheiro de erva doce nos travesseiros. Uma das poucas lembranças de minha infância é de minha mãe. Ela que sempre antes de dormir tomava um chá de camomila, dizia que era para “acalmar os nervos e suportar mais um dia”.
Ela sorriu, deu-me um beijo na testa, se levantou e entrou no mar. Foi, foi, foi até onde minhas vistas já não a alcançava mais. Voou, voou, voou feito um passarinho. Ela salvou minha vida. A moça dos olhos quebrados.
Mayara Aguiar

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