segunda-feira, 24 de novembro de 2008


O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7


Tradução de Fernando de Castro Ferro.



Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.


Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

1,2,3... gravando

Trilogia do filme independente “Boca do lixo”, filmado em Santo Antônio do Descoberto, lança em 2009 o terceiro filme da série


Em uma cidade desconhecida, dois policiais passam seus dias. Hudson, constantemente, foge dos telefonemas da esposa para continuar suas aventuras sexuais e Fábio vive procurando uma namorada. Acostumados com a calmaria da cidade, os policiais são chamados para investigar o assassinato de uma professora. A confusão começa quando eles descobrem que uma repórter do jornal local se juntou com uma estranha e decidiram desenterrar o corpo da professora em busca de um segredo. O filme independente “Boca do lixo”, é o final de uma trilogia do cineasta Frank Joseph, 31 anos. Toda a série foi filmada em Santo Antônio do Descoberto, Goiás.
A idéia do roteiro surgiu após a frustração de Frank nunca terminar o longa “Vigilantes”. “Nós até gravamos o filme, que ficou em mais ou menos 60 minutos, mas ficou extremamente confuso e, pela qualidade muito ruim, e também achando que ninguém entenderia, pensei em gravar uma série”, explica o diretor. Ele conta que a idéia inicial era gravar uma série em seis capítulos de 20 minutos cada e colocar na internet. “Após a repercussão do primeiro capítulo mostrado para convidados, um dos atores decidiu que depois da reação positiva do público era melhor que fizéssemos um longa. Daí nasceu o Boca ”, comenta.
O primeiro filme da série “Boca do lixo” é um curta com vinte minutos de duração. É o começo da saga de Hudson e Fábio, os policiais discrepantes na personalidade, mas ligados pelo mistério de um assassinato. O segundo é um longa-metragem, nele os personagens principais se vêem mais envoltos na tentativa de resolver o assassinato da professora. Os policiais ainda não encontram o paradeiro do verdadeiro assassino. A situação piora quando a polícia federal resolve enviar o agente Carlos Alberto para desvendar o assassinato da filha de um juiz local. Os policiais se vêem em meio a uma teia de conspiração e reviravoltas. É uma trama com muito suspense e ação.
As gravações do terceiro estão um pouco complicadas, segundo Joseph. Ele diz que o roteiro está bem mais complexo e cheio de detalhes para gravar. “Agora eu inventei uma guerra civil na história. Quem ouve, acha que sou muito ingênuo ou cara-de-pau demais”, brinca Frank. Ele diz que outro fator contribuinte para o atraso do lançamento do filme é o horário dele ser diferente do restante do elenco. “Estou com a agenda complicada. Trabalho durante o dia, não só eu, todos os atores também. Estou tentando gravar as cenas mais tranqüilas pra deixar as mais difíceis pra mais tarde”, explica.
O que cresceu significante foi o número de atores e figurantes. O primeiro contou com 15 participações, no segundo subiu para 53 e para o terceiro e último estão previstas 100 pessoas. O filme não recebe apoio financeiro, exceto do próprio diretor e dos atores. “Três dos atores entraram como produtores, ou seja, eles compram algo ali alugam outra coisa aqui. O filme é feito do nosso suor”, afirma. “Como estamos sem grana pro terceiro filme, estamos vendendo o DVD duplo do filme “Boca do lixo 2: revelações” a R$10”, diz.
Dayana Loiola, 21 anos, interpreta Gisely. “Eu sou a Gisely, uma mocinha que parece não ser tão mocinha. Na verdade, não dá pra definir se ela é mocinha ou vilã, parece estar sempre tentando ser boazinha”, manifesta. Ela conta como conheceu Frank e como foi convidada para fazer o longa. “Foi através de uma amiga, ela me apresentou ao Frank. Depois ele me convidou pra ser contra-regra de uma peça dele e após isso pra fazer uma ponta no filme”, diz. “Minha personagem só ia aparecer uma vez, mas aí ele gostou e aumentou o papel. Gisely acabou ganhando espaço e cresceu. Engraçado que eu nem iria ter nome e hoje virei protagonista”, afirma. Ela conta que é a protagonista de uma forma interessante. “Não sou aparição, mas sim por relevância. Sou a peça chave na história”, brinca Dayana.
A atriz comenta sobre as dificuldades de se fazer um filme independente no Brasil e da vontade de expansão do cinema brasileiro “Acho que vontade de crescer todos tem, mas falta apoio à cultura. Mesmo os filmes que são bem produzidos não têm o espaço devido, tanto pelo preconceito que o povo brasileiro tem contra os filmes daqui, quanto pelo domínio dos clichês americanos”, manifesta. Ela diz que a cena cinematográfica brasiliense é muito boa, repleta de bons profissionais e festivais que incentivam cada vez mais novos cineastas. “Em Brasília existem muitos profissionais excelentes que exibem suas obras em festivais que acontecem uma vez ao ano na cidade. Isso é muito importante pro cinema brasileiro”, completa.
As copias do segundo filme podem ser adquiridas nas locadoras de Santo Antônio, com o diretor do filme ou então na loja Kingdom Comics no Conic. O preço é de 10R$$ sendo que o DVD é duplo (primeiro CD com o filme e o segundo com 30 minutos de extras).
Cinema da boca
A “Boca do Lixo”, atualmente a “Cracolândia”, é uma região da área central da cidade de São Paulo marcada pela violência e pelo tráfico. Na década de 70, a área abrigou um dos maiores pólos de produção cinematográfica do país. Por lá, passaram nomes atualmente consagrados como, por exemplo, Vera Fisher, José Mojica, o Zé do caixão, Rogerio Sganzerla e Júlio Bressane, entre outros.
A boca pode ser considerada o berço do cinema marginal, os filmes marginais, ligados à boca, eram sempre permeados de muita sexualidade e escracho. Na década de 1980 o teor sexual se tornou mais presente, se tornando assim conhecida como a fase da pornochancada. A boca foi responsável por mais de 700 títulos nesta época.
Para terminar, uma entrevista
Frank, quais são seus próximos projetos?
Agora eu estou participando da série “em xeque”, assino a direção com alguns amigos e também atuo. Agora estou querendo virar um diretor sério, já que o boca e o em xeque tem gente que não leva a sério. risos.
Estou querendo fazer um documentário político sobre os pré-candidatos a prefeito aqui da cidade.
Pra que fazer arte?
Além da paixão arrebatadora pela arte de fazer filmes? Pode parecer um modo ingênuo de falar, mas anteriormente achava que poderia mudar o mundo.
Porque filme? E não, música, poesia ou um livro.
A idéia de escrever um livro parecia algo limitado. Na verdade não é, mas parece que não vai chegar a um grande público como os filmes fazem. Eu gosto de contar historias, e ver as pessoas se comoverem com isso assim como eu me comovo. Nada melhor que um filme pra se contar histórias e chegar a um público maior
Diria que teu projeto de vida é a arte?
Tocar os corações, eu gosto disso, como eu disse, parece infantil, mas depois desses anos todos e depois de tantas críticas e nenhuma ajuda, eu não desisti. Então é o meu futuro e não tenho mais dúvidas disso.
Matéria feita para o jornal "Na prática" .
Mayara Aguiar

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Me and You and Everyone We Know.

Tudo começa de um começo, certo, afirmou o cúmplice com um olhar de desapontamento.
O tom entoado nem sempre é a realidade, às vezes, as veias circulam-se em grito.
Débil estão os olhos que não vêem mais o escuro, de lá tudo é arrancado.
Seguir em frente nem sempre é sofrer, ou viver. Seguir em frente é simples, é seguir em frente sem se preocupar com o tom.

Sim, o problema é o tom.
Boca; ora a mão chega até ela. Ora o sorriso não é satisfatório, assim como a dor.

Onde foi que nos perdemos?
No sorriso, no olhar?
Perdi-me dentro de você.
Onde estás perdida, dor? Inside!
Toco-te, onde dói? No feel

E na verdade algumas dores são só suas, realmente não importa as perdas e ausências.
Depois de dito, o que sobraria? O tom.
Enchentmentes of the heart
You and me; simples assim.
Você e eu; too late.
Demasiado tarde.
Everyone We Know.

A falta, o tempo, o amor é atemporal.

Onde estás paz? No feel.

Mayara Aguiar

domingo, 11 de maio de 2008

E ela continua a rodar, a girar.

Como se auto-definir?
Você tenta, tenta e não consegue.
E em uma atitude desesperada você enche a cara
Vai para frente de um espelho e passa horas ali,
Congelada, tentando ver algo,
E mesmo assim continua sem repostas.
Cheguei a conclusão que quanto mais você quer algo
Mais rápido isso se afasta de você,
E com a mesma velocidade a dor se aproxima;
É muito mais fácil ser apático,
Levar a vida do jeito que ela te leva, sem pesares.
Usar máscaras, ser uma falsa verdade,
Mas quem disse que eu gosto de coisas fáceis?
Sempre gostei do improvável, daquilo que me desafia,
E não, não vai ser agora que vou mudar;

Marica Munster

Animus (termo em latim para mente ou espírito, constitui o lado masculino na psique da mulher).

Hoje, finalmente,
consegui olhar-me olho no olho no espelho
e ver o que realmente sou,
ou parte disso.

Vi uma carcaça razoável,
de cabelos sedosos,
dentes amarelados,
olhos tristes...

Mas aqui vem a parte realmente interessante.

Por baixo disso tudo,
achei o que realmente faltava,
uma infinita e clara confusão,
que o desconhecimento tirava-me o sono;

Um corpo feminino,
lábios femininos,
mãos femininas,
sexo feminino.
Mas que ainda não aceitara sua parte masculina.
Que a enoja, igualmente a seu sexo.
Que não quer deixar seus instintos falarem,
que sente necessidade de manter-se sempre sob seu controle,
o controle que a tira o ar;

O coração que sempre quis o que está longe,
pois o que está perto a faz tremer de medo e,
a enjoa rápido de mais
pelo fato de logo faltar-lhe logo surpresa;


Ela roda e ela gira, ela é pomba-gira;

Marica Munster

sábado, 3 de maio de 2008

anis

Vivendo alheia, no mundo da lua. A garota parecia feliz com o tênis límpido. De cor e aparência como a alma presumia ser.

Sentada frente a um sofá vermelho escuro com estampa de onça, versava sobre os mais belos mundos e lugares. Olhava para a luminária cinza alaranjada acesa e via cores e formas; passava pelo cintilante, os perolados e prateados. Tudo isso tomando um chá de anis com bolachas gosto de nozes.

Tinha olhos grandes, e em grande parte das vezes, arregalado. Cabelo castanho claro, anteriormente os tinha verde musgo. A mãe, que já havia perdido a paciência, dizia que a filha sofria de insanidade sem delírio. Faltava-lhe alguma consideração e respeito intrínsecos.

Idônea em chorar, sabia que não podia mais viver tão calada.

“vive no mundo da lua?” “minhas idéias vivem cheias, por isso vivo calada” retorquia em tom suave e olhos que desviavam.

Que maneira absurda e absoluta de absorver a falta de dialogo a moça dos olhos arregalados tinha. Doratheia Divina num Fecho de Luz, dito por completo.

o sorriso,
os dentes,
tudo libertava Luz, que de tanta escuridão enxergava mais com o corpo do que com a alma. os olhos ficavam arregalados a observar a luminária, agora apagada pelo tempo.

E, de repente, a mulher virava menina; e sentiu um bicho dentro, a menina chorava. Entre os goles de anis via a fumaça esvair-se em suas mãos.

Caiu sentada no chão, queria deitar mudar-se pra lá. Chorou, virou bicho por ser mulher de novo. A luz alaranjada da luminária misturava-se com o anis em seus pensamentos. Lia versos, poesia de antigamente. Queria ser poeta, escritora, e menina. Chorou de novo.

No fim, encantada com o escuro perguntou “onde tu moras, paz?” O escuro calado, fechado acostumou-se com a idéia de fim de história.


Mayara Aguiar

domingo, 6 de abril de 2008

Varanda

Sentada de tardizinha na varanda o pôr-do-sol quase se afastando do céu, escutava o mar. Tanto fazia se ficava sozinha, desde que não desaparecesse de sua janela. Janelas abertas pra ver o pôr-do-sol e o cabelo dourado.

Logo a frente o mar, cheio de intenções, sorrisos e escuridão profunda. Os vícios eram os mesmos, pôr-do-sol o chá de melancia e aquela janela aberta. Parecia um conto quase de fadas; o cabelo balançava com a brisa, o chá esfriava e a janela permanecia lá sempre aberta, fizesse chuva ou sol, sempre estava lá aberta pro olhar mais atento.

Cruzavam-se pouco, sempre quando levavam o cachorro para passear, se olhavam, mas nunca se falavam, eram vizinhos, estudavam na mesma escola, tinha os mesmo amigos, mas nunca se falavam. Só se olhavam, e olhavam como se amassem talvez se amasse, mas nunca se falavam.
Era inverno, o frio não a amedrontava ficava sempre na varanda a olhar a janela e o mar, o confidente de tudo.

Sempre do outro lado ele a olhava, sabia que sua varanda era amarela com cadeiras vermelhas, tinha flores de todos os tipos, os mais belos tipos, dos mais belos cheiros, da mais bela dama. Ele sempre sorria quando ela brincava com duck, o cachorro, e quando cheira a orquídea mais laranja, para ele a mais bonita, ou quando simplesmente sorria em direção da janela verde florescente.

A vontade de encontrar, só pra estar perto, junto, só de olhar e sentir o cheiro de orquídea, o cheiro que ela carregava no coração. Ela só de pensar em encontrar tremia as pernas, o coração batia tão acelerado que o medo de não estar junto lhe sufocava.
Ele disse: “- tens o que eu sempre sonhei, tens o mais belo.” Sorrindo com a cabeça baixa e as mãos suadas respondeu “- dói não te ver todo dia, não olhar-te pela janela verde florescente.” Vermelha e com as pernas tão bambas ela ficou com medo de se estabacar ali mesmo em seus braços.

Foram para o mar, é lá onde tudo se completa. Ela disse sussurrando em seu ouvido, “te amo”, ele completou, “te quero para sempre”. Beijaram-se como nunca alguém já se beijou se amaram ali mesmo, como nunca ninguém se amou.
Ela acordou, chorou por dias. Ele fora embora para onde seus olhos não o pudessem acompanhar. Ele chorou por não ter mais suas orquídeas, seu amor perfeito. Sempre se viram, nunca se falaram, sempre se amaram.

Mayara Aguiar

Ainda Tem

Porque verdade sem amor é crueldade
Porque ainda tem...
Ainda tem pias injetando os dias
Mulheres dizendo "você não me conhece"
Ainda tem...
Mesmo que precisão seja coisa para quem julga
E não para quem se entrega as esferas
E ainda tem hoje
O dia inteiro ainda tem
E ainda tem a vida toda
O que resta da vida toda
E os restos de todas as vidas
E as novas e dessas as que virão
E as que vão
As tanto, as tão, as nem
Ainda tem
Um enigma não é espantalho
Que também tem
Porque enigma não é espantalho
Que também tem
Mesmo que ninguém saiba decifrá-lo
Ainda temque ninguém saiba decifrá-lo
Ainda tem
Um trem e uma rima
Ainda tem uma menina correndo de vestido rosa contra o fundo verde
Ainda tem Suécia e Grécia e Suíça
E míssil e missa
E fóssil e glossário
Ainda tem aquário e peixe boiando
E o otimismo dos que se privam
E um jardim da saudade e um cemitério do coração
Ainda tem
Ou menos ou mais
E tem você
Que não me tem
Mas eu ainda tem
E tem fuck you e fucsia
E um mundo melhor sem música...
E um quarto vago num prédio abandonado na rua da amargura
Ainda tem
Os outros e ninguém
Tem um monte de caminhos
E a vontade de percorrê-los
E a preguiça de perseguí-los
Na rua em que só se fala socorro alguém grita eu,
Ainda tem o poeta que unificou os títulos
Da confederação brasileira de poesia
Da associação e da super-liga
E que na verdade é um cara simples
Ainda tem arAR-15 e o barco desde o rio
Ainda tem
A falta de sentido da vida
A flexibilidade que tudo exige e que acumula detritos na garganta, ali, onde já não há mais
Paladar e tão somente a matéria pequena, irritadiça e frívola;
E o medo ricocheteando o medo de Ter medo...;
O corpo envelhecendo e seus passados;
E cada virgindade;
E o aprendizado da solidão e sua temperatura única;
E os fantasmas reencarnados em fantasmas em outros ou até em si mesmos;
E o infinito e todas as suas máscaras: máscaras dos livros, dos acontecimentos,
O eterno baile de máscaras de infinitos como espelhos sem vidro: a tinta metálica sobre o ar polido
O eterno baile de máscaras de infinitos como espelhos sem vidro: a tinta metálica sobre o ar polido
Tem cinema, ipanema, novena, novela, vela, nó
Tem re-pe-tir tu-do
OuUmpedaçosó
Mas tem
E não faltará nada
E faltará tudo
Porque ainda tem o mundo
E então um menino sentado no chão pensando ou sonhando
Porque pra um menino sentado no chão
Não tem diferença entre pensar e sonhar
E não faltará método nem protagonista
Porque ainda tem
Um roça escura pra capinar sob a lua
Ainda tem a mulher nua e decidida
Tem feridas sem cura
E cura sem dor
E não faltará
Nem talvez
Porque ainda tem
De novo e outra vez
A glote, a hepiglote, o culote
Sufixos e crucifixos
Pais- nossos e filhos-da-puta
Ainda tem culturas e cacatuas e croatas
E arraiais e arraias
Ainda tem do céu pra cima e da terra pra baixo
Ainda tem tanta coisa
Mas tanta coisa
Que também não tem então
E daí tem de novo
E pára e volta
E pára pra sempre e não volta nunca mais
E é incessante
Porque ainda tem
Sempre tem
Ainda

do poeta, ator, apresentador, homem, e poeta poeta Michel Melamed.

Mayara Aguiar

sexta-feira, 21 de março de 2008

Crise



Escutar Radiohead me faz pulsar com mais intensidade... Pode parecer exagero, mas fico diferente. Sinto aquela voz e aqueles instrumentos cada um à sua vez... Cada um tem seu significado, cada nota é uma gota de sangue que enche meu coração. Há quem ri quando falo isso. Pode ser um pouco exagerado, mas acredito que seja quase o que acontece, o que sinto. A música, em geral, faz com que eu sinta com mais força.

Tem um bocado de amigos meus que dizem ser interessantíssimo gostar de música, pois ela representa a personalidade da pessoa, o nível mental, então alguém que mostra o seu gosto musical é transparente com a sociedade, porém o meu gosto musical é falho, devo dar valor à Música Popular Brasileira, afinal é a cultura de nosso país e blá blá blá, blá blá blá, blá blá blá... Papo de pseudo-intelectual. Só de usar essa palavra já me sinto como eles, prefiro falar “metidos à besta”!
Agora não é uma boa hora para lembrar coisas ruins, quer dizer, gosto dos meus amigos, mas gostaria que eles cuidassem pelo menos do gosto musical deles.

Acabei de sair da casa do meu namorado, desci cinco andares de escada. Hoje o dia pede reflexão. O segundo semestre está começando. Faço Serviço social. No início pensei que o fato de me interessar pelo trabalho humanitário em países de grande miséria fosse um indicativo de que eu pudesse fazer o curso com vontade. Talvez a prática seja realmente mais instigante. Ajudar as pessoas, resolver alguns problemas de fome e desnutrição seria muito gratificante. Soa um tanto egoísta falar isso, mas foi o que aconteceu. Só pensei nas ações quando escolhi esse curso, nem passou pela minha cabeça o quanto de teoria eu teria que enfrentar até um dia, se eu tivesse sorte, poder entrar para uma comunidade humanitária. Talvez eu não tenha vocação para trabalhar com isso, nem sequer posso entender meus amigos! QUERO abandonar o curso...

A professora de Introdução à Psicologia pediu que levássemos um CD qualquer que tivesse a palavra “vida” no título de alguma música. Não sei o que ela pretende, mas acabei de descobrir que não tenho interesse em descobrir.

Já andei uma boa distância desde que saí da casa do Fernando, eu estava indo procurar o tal CD. Por algum motivo não vou mais. Deve ter sido toda a crise de consciência que acabei de ter. Estou desistindo do curso... Voltando pra casa do Fernando...

Voltar é mais fácil. Eu nem queria ter saído, não gosto de andar pela rua, entre muitas pessoas. Sociopatia?!!!! Eis a grande descoberta... Prefiro ficar sozinha com o Fernando. Algumas vezes falamos à beça, todo tipo de assunto, comida, livros, sociedade, plantas, festas, pessoas, planos de vida futura etc. Quando não temos o que falar, transamos. O tempo todo também. Não falamos nada. Só no caso de um dos dois sentir fome é feita a pergunta “quer comer alguma coisa?”. Gostaria que quando eu chegasse ele estivesse sem assunto, seria um bom desfecho para o dia.

Enquanto voltava, vi três pássaros. Dois pareciam estar num desafio. Eles abriam as asas, saltavam e faziam muito barulho. O terceiro só olhava e emitia um som às vezes, como se fosse da torcida. Imaginei que fosse uma disputa entre machos para decidir quem ficaria com a fêmea, espectadora. É! Só pode ser isso.

Gosto de observar o comportamento humano. Sempre ando com uma câmera fotográfica para registrar os momentos mais relevantes. É uma digital muito útil. Dessa vez tirei da bolsa para gravar os passarinhos. Consegui alguma coisa, mas logo fui embora. Falta de paciência.

Vou pelo elevador dessa vez, o momento de reflexão acabou. Quando cheguei perto do apartamento escutei a música que o Nando estava ouvindo, “Paperbag Writer”, indefinível... “It was nice when it lasted but now it’s gone...”. Peguei a câmera novamente pra deixar gravado o momento em que eu chego à casa dele ao som de Radiohead, só eu acharia isso parecido com cena de filme.

Ele raramente trava a porta, então eu entrei direto. O volume do som estava muito alto, mas a música era incrível. “take your armour off, you’re not under attack” estava passando quando eu o vi. Eu, com a câmera na mão, registrando minha entrada cinematográfica na casa, sem querer registrei também o momento em que ele enfiava a língua com voracidade na boca de uma garota, enquanto puxava um punhado de cabelos.
Eu sentia a garganta apertando, uma dor de agonia no coração e vontade de vomitar, mas permaneci ali por mais uns quinze segundos até que quando ele quis olhar nos olhos da donzela, acordou de seu sonho e me viu, ali de pé, ainda com a câmera. Nesse tempo, devem ter passado umas cem atitudes que eu gostaria de tomar.

Olhei para a garota que estava estática olhando para mim e saí. Ele, como todo bom homem cínico, foi atrás para dizer que não era nada daquilo que eu estava pensando. Eu realmente não tenho reação para certas situações. Só desci as escadas correndo ao ponto de quase cair.

Quando cheguei lá embaixo tinha um táxi na frente do prédio. Entrei nele. Desci uns dois quarteirões à frente. Eu só queria fumar um cigarro. Nessa hora eu desejei profundamente um cigarro. Enquanto fumava, na minha mente passava ”no surprises”.
Dayana Loiola


terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Desista-me

Cheguei de tardezinha na praia, havia ficado dias e dias enclausurado num escritório, o jornalismo me comia o tempo e a alma. Eu precisava de tempo.
O dia estava cinza, li no jornal que a semana seria cinzenta. Na encosta ventava muito. De longe avistei uma moça, ruiva, cabelos compridos, magra, olhos grandes e quebrados.
A fitei por um tempo, ela se sentou na areia, pegou um livro, acendeu seu galaxy e chorou por tempos. Seria culpa de Gabriel Garcia Márquez? Ou seu cigarro apagara?
Por um instante pensei em sentar-me junto à moça, mas uma súbita dor nas pernas me derrubara. Já não tinha meus dezoitos anos, depois dos cinqüenta as dores são constantes, posso contar nos dedos os dias que passei sem fazer qualquer queixume.
Permaneci sentado, dez minutos, me recuperando, pude enfim me levantar. A moça agora permanecia imóvel como quem desfalecia a cada minuto, ela tinha um olhar fixo no horizonte. Aproximei-me dela, logo perguntei se podia me sentar ali a seu lado. Ela, com sorriso gasto e com uma voz gentil, disse que sim.

- Porque choras?
Com uma lágrima presa nos cílios e uma voz calma respondeu – Já lhe roubaram a vida?
Surpreso com a pergunta disse que ninguém poderia roubar a vida de alguém.
Novamente com um sorriso, ela disse - Roubaram a minha!
Ela suspira, me olha com um olhar aconchegante, agora com uma voz desesperadora. – Passo todas as minhas tardes a esperar no cais pelo navio que nunca retorna. Pelo navio que nunca vai, que nunca vem. Mas, simplesmente quando ele vai, minha vida vai junto e se ele não voltar, como posso voltar a viver?

Como que uma música triste suas palavras bateram que nem um prego na madeira dura, ríspida, a procura de uma brecha para adentrar. Elas penetraram em minha alma, minhas entranhas se contorciam, senti uma forte dor no peito, meu coração disparara com suas palavras.
Só me senti assim uma vez quando minha mãe morreu. Em sua cama, quente, acolhedora que tinha um cheiro de erva doce nos travesseiros. Uma das poucas lembranças de minha infância é de minha mãe. Ela que sempre antes de dormir tomava um chá de camomila, dizia que era para “acalmar os nervos e suportar mais um dia”.
Ela sorriu, deu-me um beijo na testa, se levantou e entrou no mar. Foi, foi, foi até onde minhas vistas já não a alcançava mais. Voou, voou, voou feito um passarinho. Ela salvou minha vida. A moça dos olhos quebrados.
Mayara Aguiar

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

Dias de chuva

A chuva caia no telhado, molhava todo o terreno. Sentia aquele cheiro de terra molhada invadindo o ar. Já se passavam das duas da manhã. A música tocava em minha vitrola velha. Elvis sempre me inspirava nos dias chuvosos. Um minuto de silêncio cortavam meus ouvidos, eram como a sinfonia de Beethoven. Ouvi seus sapatos molhados pelo assoalho da casa, ao primeiro movimento me pareciam sapatos de neve, mas era só seu tênis velho molhado. Meu café esfriava, estava gelado como a noite naquele dia. De que era feito os dias felizes? Amor? Seus tênis me respondiam, era o amor. Um amor tão sublime que me doía o coração. Os cachorros latiam pela vizinhança, os lençóis dançavam com o vento, pareciam amantes em dias de glória. Uma glória almejada por todos os amantes, uma glória apaixonante. A cada passo meu coração dava um trepido, um palpitar incisivo que o talhava. Seus sapatos velhos me indicavam o caminho; é pra lá que devo ir? É pra lá que vou.
A cada minuto a chuva caia mais forte, mais concisa em direção ao mundo, em direção ao meu terreno molhado e castigado pela estação do ano. Troquei minha vitrola, agora era o toca-fitas. Tocava pink floyd, ele adorava suas músicas. Dizia-me que eram as músicas mais simplórias e efêmeras já feitas; tocavam seu coração e me transportavam para seu mundo, onde ninguém mais poderia abalar, era o seu mundo. Eu amava o seu jeito.
Já eram três da manhã, a chuva diminuía. Meu café agora estava quente como os cobertores de minha cama, que cheiravam a orquídeas. Havia muitas em meu quintal, o suficiente para velar um amor completo. Uma gota caiu em meu rosto, caiu feito lágrima, escorreu por toda minha face. Eram dias, tempos, minutos, segundos salgados. Eu estive pensando: “Vai ver que com o verão os dias melhorem, as flores desabrochem novamente, o sol torne a estampar o céu de minha casa”.
Eu só estive pensando. Amanhã bem cedo vou plantar cerejas em meu quintal, perto dos morangos, bem longe das goiabas, onde a formiga não as alcancem. Nessa época elas vêm como pragas, açoitam tudo a seu redor. Por muito tempo conservei-me forte, mas eu estive pensando: “Depois desse temporal o que sobrará de nós?” Não muita coisa, talvez o suficiente para uma próxima estação, mais branda, menos ríspida, onde nem as formigas, nem as goteiras de meu telhado velho nos apoquentem. Quem sabe assim possamos dormir em paz, dormir em meus lençóis dançantes e amantes e meus cobertores quentes de orquídeas.
Mayara Aguiar