sexta-feira, 21 de março de 2008

Crise



Escutar Radiohead me faz pulsar com mais intensidade... Pode parecer exagero, mas fico diferente. Sinto aquela voz e aqueles instrumentos cada um à sua vez... Cada um tem seu significado, cada nota é uma gota de sangue que enche meu coração. Há quem ri quando falo isso. Pode ser um pouco exagerado, mas acredito que seja quase o que acontece, o que sinto. A música, em geral, faz com que eu sinta com mais força.

Tem um bocado de amigos meus que dizem ser interessantíssimo gostar de música, pois ela representa a personalidade da pessoa, o nível mental, então alguém que mostra o seu gosto musical é transparente com a sociedade, porém o meu gosto musical é falho, devo dar valor à Música Popular Brasileira, afinal é a cultura de nosso país e blá blá blá, blá blá blá, blá blá blá... Papo de pseudo-intelectual. Só de usar essa palavra já me sinto como eles, prefiro falar “metidos à besta”!
Agora não é uma boa hora para lembrar coisas ruins, quer dizer, gosto dos meus amigos, mas gostaria que eles cuidassem pelo menos do gosto musical deles.

Acabei de sair da casa do meu namorado, desci cinco andares de escada. Hoje o dia pede reflexão. O segundo semestre está começando. Faço Serviço social. No início pensei que o fato de me interessar pelo trabalho humanitário em países de grande miséria fosse um indicativo de que eu pudesse fazer o curso com vontade. Talvez a prática seja realmente mais instigante. Ajudar as pessoas, resolver alguns problemas de fome e desnutrição seria muito gratificante. Soa um tanto egoísta falar isso, mas foi o que aconteceu. Só pensei nas ações quando escolhi esse curso, nem passou pela minha cabeça o quanto de teoria eu teria que enfrentar até um dia, se eu tivesse sorte, poder entrar para uma comunidade humanitária. Talvez eu não tenha vocação para trabalhar com isso, nem sequer posso entender meus amigos! QUERO abandonar o curso...

A professora de Introdução à Psicologia pediu que levássemos um CD qualquer que tivesse a palavra “vida” no título de alguma música. Não sei o que ela pretende, mas acabei de descobrir que não tenho interesse em descobrir.

Já andei uma boa distância desde que saí da casa do Fernando, eu estava indo procurar o tal CD. Por algum motivo não vou mais. Deve ter sido toda a crise de consciência que acabei de ter. Estou desistindo do curso... Voltando pra casa do Fernando...

Voltar é mais fácil. Eu nem queria ter saído, não gosto de andar pela rua, entre muitas pessoas. Sociopatia?!!!! Eis a grande descoberta... Prefiro ficar sozinha com o Fernando. Algumas vezes falamos à beça, todo tipo de assunto, comida, livros, sociedade, plantas, festas, pessoas, planos de vida futura etc. Quando não temos o que falar, transamos. O tempo todo também. Não falamos nada. Só no caso de um dos dois sentir fome é feita a pergunta “quer comer alguma coisa?”. Gostaria que quando eu chegasse ele estivesse sem assunto, seria um bom desfecho para o dia.

Enquanto voltava, vi três pássaros. Dois pareciam estar num desafio. Eles abriam as asas, saltavam e faziam muito barulho. O terceiro só olhava e emitia um som às vezes, como se fosse da torcida. Imaginei que fosse uma disputa entre machos para decidir quem ficaria com a fêmea, espectadora. É! Só pode ser isso.

Gosto de observar o comportamento humano. Sempre ando com uma câmera fotográfica para registrar os momentos mais relevantes. É uma digital muito útil. Dessa vez tirei da bolsa para gravar os passarinhos. Consegui alguma coisa, mas logo fui embora. Falta de paciência.

Vou pelo elevador dessa vez, o momento de reflexão acabou. Quando cheguei perto do apartamento escutei a música que o Nando estava ouvindo, “Paperbag Writer”, indefinível... “It was nice when it lasted but now it’s gone...”. Peguei a câmera novamente pra deixar gravado o momento em que eu chego à casa dele ao som de Radiohead, só eu acharia isso parecido com cena de filme.

Ele raramente trava a porta, então eu entrei direto. O volume do som estava muito alto, mas a música era incrível. “take your armour off, you’re not under attack” estava passando quando eu o vi. Eu, com a câmera na mão, registrando minha entrada cinematográfica na casa, sem querer registrei também o momento em que ele enfiava a língua com voracidade na boca de uma garota, enquanto puxava um punhado de cabelos.
Eu sentia a garganta apertando, uma dor de agonia no coração e vontade de vomitar, mas permaneci ali por mais uns quinze segundos até que quando ele quis olhar nos olhos da donzela, acordou de seu sonho e me viu, ali de pé, ainda com a câmera. Nesse tempo, devem ter passado umas cem atitudes que eu gostaria de tomar.

Olhei para a garota que estava estática olhando para mim e saí. Ele, como todo bom homem cínico, foi atrás para dizer que não era nada daquilo que eu estava pensando. Eu realmente não tenho reação para certas situações. Só desci as escadas correndo ao ponto de quase cair.

Quando cheguei lá embaixo tinha um táxi na frente do prédio. Entrei nele. Desci uns dois quarteirões à frente. Eu só queria fumar um cigarro. Nessa hora eu desejei profundamente um cigarro. Enquanto fumava, na minha mente passava ”no surprises”.
Dayana Loiola