domingo, 23 de agosto de 2009

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[ As palavras é que me impedem de dizer a verdade. Simplesmente não há palavras. O que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo.]

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Clarice Lispector

domingo, 17 de maio de 2009

Clair de Lune


Cap. 1.

Cada coisa em seu lugar.


É manhã de janeiro. O sol de verão cria uma moldura pra esse começo de história. O vento toca o rosto de Luiza delicadamente. Como trilha sonora, o canto de canários inicia o dia. ‘Mais um dia, mais um dia’, pensou calmamente.


Luiza Divina da Luz era uma moça de vinte e poucos anos. Dona de lindos fios ruivos lisos e compridos, magra, olhos grandes e quebrados. Tinha a personalidade de um leão. Era forte, decidida, e capaz de levar qualquer homem a loucura com seu atípico jeito de pensar. Pisciana das mais típicas, era sentimental, amorosa e amava em demasia, mas quando queria, era ríspida, egoísta e frívola. Ela poderia cuidar de todo o mundo entre o desjejum e o almoço. Sempre fez questão de mostrar a todos que poderia viver sua vida alheia. Tinha uma capacidade absurda de absorver a falta de diálogo com as pessoas que não a interessavam. Quem era de seu agrado, ela travava boas horas de conversa.

Gostava de imaginar a mulher e a menina que guardava dentro de si vivendo harmoniosamente, queria ser mulher e menina quando o tempo e a circunstância pedissem. Chorava frustradamente quando não conseguia ser verdadeira com as duas Luiza’s que guardava dentro de si. “Eu sou uma mentira, eu sou uma mentira”, engolia o grito e deixava escorrer as lágrimas secas pelo rosto molhado. Mas sempre que podia dava um jeitinho de botar as duas frente a frente, ela sempre aprenderá algo com elas.


Chegou tardizinha na Praça da Rua 12, perto de sua casa. Ela precisava de tempo para si mesma, para seus pensamentos mais secretos e para colocar em ordem a vida e o mundo que carregava dentro do peito. Onde ela morava era comum ter praças com bastantes mães e crianças, cachorros e muitos garotos jogando futebol no campinho perto da escola primaria ‘Tia Lê Lê’. Ela adorava passar horas a fio relendo ao ar livre seus livros favoritos. “Os mais belos se mostram mais belos num por de sol” dizia com um sorriso estampado de orelha a orelha. Num desses dias ensolarados e cheios de linhas já conhecias, Luiza, que andava no mundo da lua, conheceu o que mais tarde chamaria de ‘minha vida’.

Cap. 2.

A primeira grande trombada na Praça da Rua 12



Num dado momento ela deixou de lado seu ‘Cem anos de solidão’ e prestou atenção nos transeuntes daquela tarde. Era comum ver sempre o mesmo tipo de pessoa e com a mesma expressão no rosto, afinal de contas, aquela pracinha era frenquentada diariamente pela pobre e imunda classe média. Especificamente por conta de um grande temporal a vista, naquela tarde todos andavam ávidos e impiedoso. Iam de um lado para o outro, corriam, falavam ao telefone e se preocupavam demasiadamente com o tempo perdido. Não muito longe, ela avistou um rapaz.


Deveria beirar os vinte e oito anos, talvez vinte e seis, era conservado e bastante bonito. Tinha a pele morena, era alto, corpo esguio e formoso, olhos pequenos e amendoados e sorriso envolvente. Flutuava na calçada já gasta pelo tempo e pelas adversidades da vida. Tinha uma leveza e ao mesmo tempo uma firmeza no caminhar que chamou a atenção de Luiza. Ele parecia ser forte como um touro, era daqueles homens que conseguia carregar o mundo todo nas costas. Talvez seja por isso que ela tenha se identificado tanto com o moreno de passadas longas.

Ela olhou fixamente pra seu rosto, admirou-se com tamanha capacidade de se divertir sozinho. Sorria e gesticulava sem medo de ser taxado como uma pessoa insana. Ela prestou atenção na reação dele quando um guri de uns seis anos passou correndo por debaixo de suas pernas. Ele ria encabulado com a desenvoltura do pequeno.


Ele percebendo os olhares insinuantes de Luiza a fitou por um breve momento. Ela agindo instintivamente desviou o olhar. Ele abaixou a cabeça e continuou a andar. Foi andando para longe da pracinha, e de suas vistas. Ela ainda tentou curvar-se no banco para ver por mais alguns momentos o rapaz, mais ele foi até onde suas vistas já não o alcançavam mais.

Luiza ainda atordoada com o acontecido olhou para o céu. A cara de chuva pesada pairava o dia, o cheiro de terra molhada nessa época do ano já não era tão intenso, mas a sensação de alma lavada depois de trovejadas e muita água eram os mesmos. No verão os temporais vêm para castigar as almas pouco avisadas. Ela, regente do signo de peixes, era fã de água, e logo, dos temporais. Avistando logo acima uma nuvem teimosa e adirlosa, ela preparou seu guarda-chuva colorido e foi embora.




continua ...



Mayara Aguiar

segunda-feira, 24 de novembro de 2008


O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7


Tradução de Fernando de Castro Ferro.



Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você.


Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

1,2,3... gravando

Trilogia do filme independente “Boca do lixo”, filmado em Santo Antônio do Descoberto, lança em 2009 o terceiro filme da série


Em uma cidade desconhecida, dois policiais passam seus dias. Hudson, constantemente, foge dos telefonemas da esposa para continuar suas aventuras sexuais e Fábio vive procurando uma namorada. Acostumados com a calmaria da cidade, os policiais são chamados para investigar o assassinato de uma professora. A confusão começa quando eles descobrem que uma repórter do jornal local se juntou com uma estranha e decidiram desenterrar o corpo da professora em busca de um segredo. O filme independente “Boca do lixo”, é o final de uma trilogia do cineasta Frank Joseph, 31 anos. Toda a série foi filmada em Santo Antônio do Descoberto, Goiás.
A idéia do roteiro surgiu após a frustração de Frank nunca terminar o longa “Vigilantes”. “Nós até gravamos o filme, que ficou em mais ou menos 60 minutos, mas ficou extremamente confuso e, pela qualidade muito ruim, e também achando que ninguém entenderia, pensei em gravar uma série”, explica o diretor. Ele conta que a idéia inicial era gravar uma série em seis capítulos de 20 minutos cada e colocar na internet. “Após a repercussão do primeiro capítulo mostrado para convidados, um dos atores decidiu que depois da reação positiva do público era melhor que fizéssemos um longa. Daí nasceu o Boca ”, comenta.
O primeiro filme da série “Boca do lixo” é um curta com vinte minutos de duração. É o começo da saga de Hudson e Fábio, os policiais discrepantes na personalidade, mas ligados pelo mistério de um assassinato. O segundo é um longa-metragem, nele os personagens principais se vêem mais envoltos na tentativa de resolver o assassinato da professora. Os policiais ainda não encontram o paradeiro do verdadeiro assassino. A situação piora quando a polícia federal resolve enviar o agente Carlos Alberto para desvendar o assassinato da filha de um juiz local. Os policiais se vêem em meio a uma teia de conspiração e reviravoltas. É uma trama com muito suspense e ação.
As gravações do terceiro estão um pouco complicadas, segundo Joseph. Ele diz que o roteiro está bem mais complexo e cheio de detalhes para gravar. “Agora eu inventei uma guerra civil na história. Quem ouve, acha que sou muito ingênuo ou cara-de-pau demais”, brinca Frank. Ele diz que outro fator contribuinte para o atraso do lançamento do filme é o horário dele ser diferente do restante do elenco. “Estou com a agenda complicada. Trabalho durante o dia, não só eu, todos os atores também. Estou tentando gravar as cenas mais tranqüilas pra deixar as mais difíceis pra mais tarde”, explica.
O que cresceu significante foi o número de atores e figurantes. O primeiro contou com 15 participações, no segundo subiu para 53 e para o terceiro e último estão previstas 100 pessoas. O filme não recebe apoio financeiro, exceto do próprio diretor e dos atores. “Três dos atores entraram como produtores, ou seja, eles compram algo ali alugam outra coisa aqui. O filme é feito do nosso suor”, afirma. “Como estamos sem grana pro terceiro filme, estamos vendendo o DVD duplo do filme “Boca do lixo 2: revelações” a R$10”, diz.
Dayana Loiola, 21 anos, interpreta Gisely. “Eu sou a Gisely, uma mocinha que parece não ser tão mocinha. Na verdade, não dá pra definir se ela é mocinha ou vilã, parece estar sempre tentando ser boazinha”, manifesta. Ela conta como conheceu Frank e como foi convidada para fazer o longa. “Foi através de uma amiga, ela me apresentou ao Frank. Depois ele me convidou pra ser contra-regra de uma peça dele e após isso pra fazer uma ponta no filme”, diz. “Minha personagem só ia aparecer uma vez, mas aí ele gostou e aumentou o papel. Gisely acabou ganhando espaço e cresceu. Engraçado que eu nem iria ter nome e hoje virei protagonista”, afirma. Ela conta que é a protagonista de uma forma interessante. “Não sou aparição, mas sim por relevância. Sou a peça chave na história”, brinca Dayana.
A atriz comenta sobre as dificuldades de se fazer um filme independente no Brasil e da vontade de expansão do cinema brasileiro “Acho que vontade de crescer todos tem, mas falta apoio à cultura. Mesmo os filmes que são bem produzidos não têm o espaço devido, tanto pelo preconceito que o povo brasileiro tem contra os filmes daqui, quanto pelo domínio dos clichês americanos”, manifesta. Ela diz que a cena cinematográfica brasiliense é muito boa, repleta de bons profissionais e festivais que incentivam cada vez mais novos cineastas. “Em Brasília existem muitos profissionais excelentes que exibem suas obras em festivais que acontecem uma vez ao ano na cidade. Isso é muito importante pro cinema brasileiro”, completa.
As copias do segundo filme podem ser adquiridas nas locadoras de Santo Antônio, com o diretor do filme ou então na loja Kingdom Comics no Conic. O preço é de 10R$$ sendo que o DVD é duplo (primeiro CD com o filme e o segundo com 30 minutos de extras).
Cinema da boca
A “Boca do Lixo”, atualmente a “Cracolândia”, é uma região da área central da cidade de São Paulo marcada pela violência e pelo tráfico. Na década de 70, a área abrigou um dos maiores pólos de produção cinematográfica do país. Por lá, passaram nomes atualmente consagrados como, por exemplo, Vera Fisher, José Mojica, o Zé do caixão, Rogerio Sganzerla e Júlio Bressane, entre outros.
A boca pode ser considerada o berço do cinema marginal, os filmes marginais, ligados à boca, eram sempre permeados de muita sexualidade e escracho. Na década de 1980 o teor sexual se tornou mais presente, se tornando assim conhecida como a fase da pornochancada. A boca foi responsável por mais de 700 títulos nesta época.
Para terminar, uma entrevista
Frank, quais são seus próximos projetos?
Agora eu estou participando da série “em xeque”, assino a direção com alguns amigos e também atuo. Agora estou querendo virar um diretor sério, já que o boca e o em xeque tem gente que não leva a sério. risos.
Estou querendo fazer um documentário político sobre os pré-candidatos a prefeito aqui da cidade.
Pra que fazer arte?
Além da paixão arrebatadora pela arte de fazer filmes? Pode parecer um modo ingênuo de falar, mas anteriormente achava que poderia mudar o mundo.
Porque filme? E não, música, poesia ou um livro.
A idéia de escrever um livro parecia algo limitado. Na verdade não é, mas parece que não vai chegar a um grande público como os filmes fazem. Eu gosto de contar historias, e ver as pessoas se comoverem com isso assim como eu me comovo. Nada melhor que um filme pra se contar histórias e chegar a um público maior
Diria que teu projeto de vida é a arte?
Tocar os corações, eu gosto disso, como eu disse, parece infantil, mas depois desses anos todos e depois de tantas críticas e nenhuma ajuda, eu não desisti. Então é o meu futuro e não tenho mais dúvidas disso.
Matéria feita para o jornal "Na prática" .
Mayara Aguiar

quinta-feira, 29 de maio de 2008

Me and You and Everyone We Know.

Tudo começa de um começo, certo, afirmou o cúmplice com um olhar de desapontamento.
O tom entoado nem sempre é a realidade, às vezes, as veias circulam-se em grito.
Débil estão os olhos que não vêem mais o escuro, de lá tudo é arrancado.
Seguir em frente nem sempre é sofrer, ou viver. Seguir em frente é simples, é seguir em frente sem se preocupar com o tom.

Sim, o problema é o tom.
Boca; ora a mão chega até ela. Ora o sorriso não é satisfatório, assim como a dor.

Onde foi que nos perdemos?
No sorriso, no olhar?
Perdi-me dentro de você.
Onde estás perdida, dor? Inside!
Toco-te, onde dói? No feel

E na verdade algumas dores são só suas, realmente não importa as perdas e ausências.
Depois de dito, o que sobraria? O tom.
Enchentmentes of the heart
You and me; simples assim.
Você e eu; too late.
Demasiado tarde.
Everyone We Know.

A falta, o tempo, o amor é atemporal.

Onde estás paz? No feel.

Mayara Aguiar

domingo, 11 de maio de 2008

E ela continua a rodar, a girar.

Como se auto-definir?
Você tenta, tenta e não consegue.
E em uma atitude desesperada você enche a cara
Vai para frente de um espelho e passa horas ali,
Congelada, tentando ver algo,
E mesmo assim continua sem repostas.
Cheguei a conclusão que quanto mais você quer algo
Mais rápido isso se afasta de você,
E com a mesma velocidade a dor se aproxima;
É muito mais fácil ser apático,
Levar a vida do jeito que ela te leva, sem pesares.
Usar máscaras, ser uma falsa verdade,
Mas quem disse que eu gosto de coisas fáceis?
Sempre gostei do improvável, daquilo que me desafia,
E não, não vai ser agora que vou mudar;

Marica Munster

Animus (termo em latim para mente ou espírito, constitui o lado masculino na psique da mulher).

Hoje, finalmente,
consegui olhar-me olho no olho no espelho
e ver o que realmente sou,
ou parte disso.

Vi uma carcaça razoável,
de cabelos sedosos,
dentes amarelados,
olhos tristes...

Mas aqui vem a parte realmente interessante.

Por baixo disso tudo,
achei o que realmente faltava,
uma infinita e clara confusão,
que o desconhecimento tirava-me o sono;

Um corpo feminino,
lábios femininos,
mãos femininas,
sexo feminino.
Mas que ainda não aceitara sua parte masculina.
Que a enoja, igualmente a seu sexo.
Que não quer deixar seus instintos falarem,
que sente necessidade de manter-se sempre sob seu controle,
o controle que a tira o ar;

O coração que sempre quis o que está longe,
pois o que está perto a faz tremer de medo e,
a enjoa rápido de mais
pelo fato de logo faltar-lhe logo surpresa;


Ela roda e ela gira, ela é pomba-gira;

Marica Munster